15 de março de 2015

A Menina da Sombrinha Vermelha

Seus sonhos valem toda uma vida, toda uma vida de sonhos...

Ganhou de seu pai uma sombrinha vermelha
e correu pela rua, passeando pela vizinhança
foi um dia ao mais longínquo bosque
encantar sua história feita de amores e esperança
esperou pela chuva para então
exibir seu presente mais bonito
foi a personagem do meu mundo, com certeza,
a primeira mulher, amizade, lição de Ser Humano.

A menina que a seu pai pediu um objeto colorido
desbravou tristes fronteiras, tempestades escurecidas
dedicou todo seu mundo ao amor e a seus filhos
fez dos dias mais intensos, aprendizado de fé
encarou com muita força desafios e sua sina
ensinou-me que ao ser forte, nada é fácil
fez-me ver além dos sonhos, que lutar traz alegria
e um orgulho imaculado das batalhas vencidas.



Dizem que o número 13 traz consigo uma carga de energia, algo de especial e enigmático, algo de mistério, poder, sofrer e azar. Dizem que azar e sorte são adjetivos contrários e sinônimos, pois sorte é acaso e azar também!
Às 13 horas de um dia 13 a menina da sombrinha vermelha, já não mais menina e do alto de seus 25 anos, deu à luz ao seu filho do meio, que por acaso não só filho do meio, também foi o neto do meio de seus pais... Eles que o batizaram, sua avó que, de madrinha da pia santa, anos mais tarde foi-lhe a benção de primeira comunhão e depois testemunha de sua crisma; seu avô o protetor de seus cachinhos de bebê e o portador das balas de hortelã que adoçaram-lhe a infância no velho quintal onde a menina brincara no passado, um passado que guardava as histórias de dez irmãos, a história da qual ela fora o sétimo rebento, a primeira usar mini saias, a mais ousada em tingir-se de rubros e esmaltes, a garota que desprezou um emprego para aventurar-se numa viagem ao exterior, a estudante que trabalhava enfrentando trens lotados nas idas e voltas para casa, a filha de uma união onde raízes italianas e espanholas deram-lhe um nome francês, o nome de uma antiga cidade, conhecida pela renomada academia universitária... Nancy!

Foi descobrindo essa personagem que um dia encontrei, na contracapa de um antigo livro de francês, uma dedicatória. No livro que ensinava através de imagens o idioma estrangeiro (regido até o início da década de 70 no Brasil), li certa vez: "Je t'aime Nancy". Eu sempre fui aficionado por livros, sempre tive neles algo de instigante, algo de provocante, tanto que meu primeiro sonho da vida foi ser um escritor, e no meio de tantas palavras que compuseram meus desejos envoltos em letras, acredito que ali que nasceu meu desejo de aprender essa língua. Dizia-se entre as pessoas que algo sabiam do idioma francês: Ah, é a língua mais linda de todas!! Acreditei primeiro para depois descobrir que eu também pensaria assim! Mas voltando ao livro, o livro de francês através de imagens... Por trás daquela dedicatória havia uma história e eu quis conhecê-la. 

Nancy fora a garota que desde cedo trabalhou (como todos seus irmãos) para ajudar no sustento da casa. Filha de uma lavadeira e de um "faz tudo", desses que são encanador, pedreiro, pintor; fora ela junto com um de seus irmãos mais velhos a que mais vezes acompanhou a mãe nas entregas de roupas pelas ruas da gigantesca São Paulo. Ainda muito nova tivera um problema de visão que quase lhe tirou a luz do dia, mas superado tal problema, Nancy foi a menina-moleque daquela rua sem saída onde viviam... Fazia pipas, carrinhos de rolimã, pegava rabeiras de caminhão, metia-se em brigas de escola, batia figuras, bolinhas de gude, pulava cordas, mas crescendo com os anos também varria o quintal, arrumava os caminhos daquele grande jardim e foi tornando-se a cozinheira de mão cheia daquele lar.  Já adolescente e trabalhando fora embarcada nos vais e vens dos trens metropolitanos da grande São Paulo, eis que surge um admirador, um jovem amor: Teco - o autor da frase na contracapa do livro de francês pelas e dentro dessa imagem, um irmão mais velho que mandaria amigos vigiá-la no colégio, algo que então ceifaria esse conto resumido em um breve "eu te amo" dedicado em língua estrangeira. 
Anos mais tarde a jovem se casaria com um de seus vizinhos, o garoto que lhe desenhava os trabalhos das aulas de artes. Seria ela quem por último sairia de casa para dizer seu "sim" em um altar... Assim faria a todos esperarem por sua chegada na igreja, numa tarde de janeiro no fim dos anos 70, ela mesma se aprontaria depois de pintar suas unhas sob a sombra do velho abacateiro onde brincou sua infância junto de seus irmão e onde brincariam mais tarde seus filhos e sobrinhos. Então, ao posicionar-se diante das portas da igreja, num breve olhar para os lados foi ele quem viu, o rapaz Teco, antes que começasse a Ave Maria e na contracapa do livro apenas três palavras em francês... Mas depois foi uma festa de família, foi a noiva com o vestido feito por uma de suas cunhadas, o brinde na foto daqueles irmãos reunidos, o bolo coberto de coco caprichado, os sonhos, a mudança para o interior junto de seu marido, seu primeiro filho já em seu ventre e a família de seu irmão - protetor dos tempos colegiais. Tudo novo, para que numa tarde de domingo a vida lhe fizesse ver a morte de seu irmão num trágico afogamento... Tudo triste e uma volta frustrada à rua sem saída onde um dia dançou sob a chuva com a sombrinha vermelha, presente de seu pai, seu desejo colorido. Tudo é um sopro e dois anos após o nascimento de seu primogênito, num mês de agosto, um dia 13, às 13 horas, viria ao mundo seu filho do meio, o neto do meio, o mistério do 13, algo de enigmático, algo de poder, de sofrer, de sorte e azar, mas sorte e azar são contrários e sinônimos!

Da ideia que faço dessa mulher nesse ponto da história, vem-me a imagem de uma foto 3/4 tirada aos 18 anos, em preto e branco à qual tive acesso algumas vezes...

Cabelos longos e escuros, olhos castanhos amendoados, pele alva e um sorriso contido que se repetiriam no filho do meio. Tudo de novo, a perda, pois dois anos mais tarde seu filho mais novo também veria partir... E sabe quando acontece de pensarmos em desistir?
Foi ela a defensora de seu amor em anos de juventude apaixonada, foi ela a grande batalhadora, a leoa que carregou pelos braços seus sonhos, suas dores, seus filhos, seus amores. Foi a mulher que edificou sua própria casa, foi a mãe que alimentou de seus filhos os desejos sonhadores e foi ela quem teve no mais velho os desafios que comprovam a fé e no do meio - feito o mais novo - os desabafos, as confidências, uma amizade que foi, que ainda hoje é!

Certo dia, entrando na casa de minha mãe, eu disse: Por quê a gente não tem a chance de desligar tudo na vida, voltar no início e começar de novo? Sabe mãe, viver é muito difícil! Ela, arrumando um vaso com flores, deu o suspiro mais profundo que já vi em alguém e sua reposta foi apenas: E é pra mim que você vai dizer isso?

Naquela tarde em plena década de 60 a menina esperou a chuva que enfim chegou, pegou sua sombrinha vermelha e foi passear pela rua exibindo seu mais lindo presente, sem se importar com o que diriam, sem pensar se estaria molhando-se da cintura para baixo, sem saber que se casaria com o vizinho que brincava com ela na rua, sem imaginar que viveria tudo que anos depois a vida lhe imporia, sem sonhar em estudar francês no colegial com um livro através das imagens e não sabia que tiraria aquela foto 3/4 aos 18 anos. Tampouco sabia que a contracapa de seu livro guardaria uma curta frase, a tradução de grande um sentimento por aquela jovem dos longos cabelos escuros e olhos castanhos amendoados.
E seu filho mais velho tentou ser um jogador de vôlei, de fato o foi, mas depois desistiu e casou-se, separou-se e novamente apaixonou-se, foi ser administrador, teve quatro filhos, dois casais, cuja a garota do meio (como seu filho do meio) guarda os mesmos traços da velha fotografia 3/4. O marido, companheiro de toda uma vida está lá. Da rua sem saída, na qual cresceram e para a qual voltaram após uma tragédia de família, saíram anos mais tarde em nome de seus sonhos. Hoje ele planta uma horta no fundo do quintal de sua casa no interior, dessas gostosas que a gente só encontra em casa de vó. O vizinho que desenhava-lhe os trabalhos de artes, junto dela desenhou também uma história da qual lutas não faltaram, mas vitórias foram o resultado de uma palavra chamada resiliência. O filho do meio, aquele nascido no dia 13 às 13 horas num mês de agosto, tornou-se muitas coisas e de fato dizem que sua história tem algo de enigmática, de contrários e sinônimos. É dessas pessoas artistas, que pensam o belo e fazem dessas coisas malucas, contemporâneas, que no fim todo mundo entende, mas só acha bonito ou o contrário também...

Eu que sempre fui um aficionado por livros, encontrei nessa história feita de elementos em pedacinhos, um grande romance digno de publicação. Eu que nasci numa tarde, às 13 horas de um dia 13 de agosto e fui o filho do meio, o neto do meio, com meus cachinhos protegidos pelo avô "faz tudo" e fui três vezes afilhado da avó lavadeira sob dogmas de sua fé, aprendi com essa história, da qual parte faço, que a felicidade dos sonhos não está em realizá-los todos, mas no tentar alcançá-los. Então, eu fecho meus olhos e penso na chuva, fecho meus olhos e penso na menina faceira pulando naquela rua sem saída, com sua sombrinha vermelha, seu presente sonhado, o mais bonito. Me lembro da jovem de cabelos longos e escuros, olhos castanhos amendoados, de pele alva... Me vejo diante do espelho, enxergo o seu reflexo em mim, daí entendo que os sonhos nos protegem da tormenta, mas que a gente precisa pedir pela chuva para enfrentá-la com a força dos sonhos e assim exibir uma felicidade inocente sem saber do devir, uma alegria sorridente, como aquela da menina da sombrinha vermelha!

- Mãe,
quero lhe afirmar
que minha lembrança
mais antiga entre nós
é de uma tarde
em que você lavava
roupas no tanque 
e eu lhe enchia
de "por quês"...
Saiba, apesar do tempo
apesar de tudo
você nunca me deixou
sem qualquer
resposta!!! -

"JE T'AIME NANCY"

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